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FARRAPO HUMANO
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FARRAPO HUMANO
(The Lost Weekend, EUA, 1945)
Direção: Billy Wilder
Roteiro: Charles Brackett e Billy Wilder (Baseado em livro de Charles R. Jackson)
Elenco: Ray Milland, Jane Wyman, Phillip Terry, Howard Da Silva, Doris Dowling, Frank Faylen, Mary Young, Anita Sharp-Bolster, Lillian Fontaine e Lewis L. Russell.
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Sinopse: Em Nova York, Don Birman (Ray Milland) sonhava ser escritor, mas não consegue seu objetivo por estar sofrendo de um bloqueio. Assim, é completamente dominado pelo álcool e passa a ter como única meta obter dinheiro para continuar se embriagando, se esquecendo que as pessoas que o rodeiam sofrem por vê-lo neste estado e tudo fazem para afastá-lo da bebida. Mas enquanto a namorada, Helen St. James (Jane Wyman), editora de uma revista, quer ajudá-lo, ele bebe cada vez mais. Drama / Romance / Melodrama / Film Noir / Cinema Clássico Americano, 100 minutos, Preto e Branco.
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Que esperar de um escritor nova-iorquino alcoólatra, com bloqueio mental, que o impede de fazer aquilo que mais gosta, escrever! O que esperar? E que por causa de sua desregrada vida de vício perde tudo: dinheiro, posição social e dignidade. Será que um final de semana prolongado fora de Nova York o ajudaria? Será?
Pois é exatamente isso que Wick, irmão de Don e Helen St. James, sua namorada, lhe propõem.
O título original do filme diz tudo: The lost weekend. Parece que não há esperança para Don e assistir ao filme é uma perda de tempo. Assim como os personagens que lutam por ele, também estão perdendo tempo. No entanto, não há perda alguma de tempo nesta história dura, tão dura e próximo da realidade, que quando de sua exibição, assustou a platéia que estava acostumada aos melodramas e dramalhões de Hollywood. Porém, a história de Don (o nosso herói) atravessou o tempo e hoje é mais atual do que nunca, em meio a desenfreada ação do álcool, não só entre os homens, mas entre as mulheres também. Não, não é perda de tempo!
Don concorda com o tal final de semana fora de Nova York, mas convence os dois que precisa de um tempo para se recompor, e sugere que Wick e Helen assistam ao concerto sinfônico daquela tarde no Carnegie Hall. Preocupado, Wick se certifica que Don vai ficar sem nenhuma bebida em casa.
Mas o viciado, ele próprio, sempre dá um jeito de arrumar um meio para se embriagar. É uma desculpa esfarrapada que eu venho ouvindo ao longo dos anos de amigos que já se foram: uns por causa da bebida, outros por causa de drogas ilícitas, e muitos estão se matando aos poucos por causa do cigarro, uma droga lícita tão terrível ou mais do que a droga ilícita. Porque a pessoa se suicida aos poucos e na frente de todo mundo. Don não teve dúvida e nem pudor, rouba US$ 10 que seu irmão deixou para pagar a arrumadeira e vai até o Bar do Nat, com a triste ilusão de que iria tomar apenas uns goles.
Já aprendi que quem fuma, fuma e quem bebe, bebe. É inútil o viciado se iludir que pára quando quiser, é completamente inútil.
Quando Wick e Helen voltam ao apto., verificam que Don não se encontra em casa. Wick espera o retorno do irmão, mas como este não chega, ele toma um táxi e parte sozinho para o final de semana no campo.
Totalmente embriagado, Don chega atrasado em casa quando seu irmão já tinha ido para o campo. Don, na verdade, como todo viciado, tentara fugir a realidade, por isso propositalmente fizera o possível para perder aquele final de semana com seu irmão no campo. Porque, nas ruas e nos bares de Nova York ele estaria a “salvo”. Mesmo que não admitisse o seu inconsciente fugira àquele final de semana com o irmão.
Como uma criança, agarrado a duas garrafas de bebida que comprara na rua, sobe as escadas e se tranca no quarto. Helen tem que trabalhar, é editora da Revista Time, e deixa-lhe um bilhete na manhã seguinte pedindo-lhe que se alimente e lhe telefone.
Mas o viciado se porta normalmente como um menino rebelde e ao invés de procurar a pessoa que se preocupa com ele, vai sempre em sentido contrário, como que se fora tomado por um espírito masoquista em busca de prazer na própria dor.
Ávido por bebida, retorna ao Bar, mas como sem dinheiro os comerciantes não abastecem os alcoólatras, Don tenta empenhar sua máquina de escrever, seu instrumento de trabalho, o símbolo da sua dignidade, mas não consegue. Todas as lojas estão fechadas devido ao feriado judeu. Depois de uma leve hesitação, dá mais um golpe em sua dignidade e vai ao apartamento de Gloria, uma prostituta, sua amiga, e lhe pede dinheiro emprestado. Sai com os US$ 5 ansioso por uma bebida. Porém, antes de conseguir tomar mais um trago, cai da escada e acorda na ala de desintoxicação do Hospital Bellevue, onde um enfermeiro lhe comunica que ele está com “delirium tremens”, um dos efeitos do álcool. Mas o vício quando é já um mal avançado, o corpo necessita e a mente não tem forças para reagir. Na primeira oportunidade, Don rouba a capa de um médico, veste-a por cima do pijama e vai embora. No caminho, antes de chegar em casa, rouba uma garrafa de bebida numa loja, e depois passa o dia a consumir a droga (lícita!), quando finalmente entra novamente numa crise aguda de “delirium tremens”, e apartir daí a sua mente não tem mais controle de seus atos. Imagina ver um morcego sobrevoando a sua cabeça, que em seguida ataca um rato na parede.
Helen chega e encontra um quadro terrível e triste, seu namorado esparramado no chão, murmurando frases desconexas sobre alucinações, sujo e totalmente indefeso.
Mas o pior ainda estava por vir, na manhã seguinte, enquanto Helen, exausta, dormia, ele pega o casaco de pele dela vai à loja de empenho. Mas Helen não estava dormindo e o segue e fica sabendo que ele empenhou o casaco não por dinheiro, mas por uma arma.
É aquela velha história, “quando se estica o elástico demais, ele se rompe”. E Don não estava mais agüentando o seu sofrimento e queria dar um fim em tudo aquilo. Esta também é uma atitude normal do viciado. Quando a droga não lhe traz mais prazer, somente sofrimento e indignidade, ele se consome por ela própria, ou procura outro meio mais rápido.
Mas o viciado é consciente do seu drama, só não tem forças para se libertar. E Don, ao retornar ao apartamento, escreve um bilhete de despedida para o irmão e se prepara para apertar o gatilho. Nisso Helen chega e evita o suicídio e com muita dificuldade, ela consegue fazê-lo mudar de idéia e para isto usa um trunfo que parece que tem algum efeito sobre ele: retomar o romance ‘The Bottle' (A Garrafa), e continuar a descrever as suas próprias experiências com a bebida, desta forma, o próprio mal, poderia ajudá-lo.
Mas será que um escritor nova-iorquino alcóolatra, conseguirá exorcizar seus demônios? É assistir para ver!
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"Farrapo Humano", baseado no romance de Charles R. Jackson, e que é considerado como um dos melhores filmes realizados por Hollywood sobre os problemas do alcoolismo, é também um dos melhores dramas de toda a história do cinema, que hoje é classificado por muitos críticos, e com acerto, também como um Film Noir de grande peso, um clássico inconfundível. O assustador retrato de um Ray Milland (magnífico, soberbo) que revela a insatisfação de um fracassado escritor com sua vida, e que o leva numa jornada de três dias de autodestruição é estarrecedor. Repleto de imagens marcantes, em preto e branco, este filme é uma inesquecível e sofrida visão de uma vida à beira do abismo.
A direção do mestre Billy Wilder é impecável e o resto do elenco se ajusta à interpretação magistral de Milland.
Trilha sonora maravilhosa de Miklos Rozsa e fotografia (indicada ao Oscar) excepcional de John F. Seitz selam e autenticam esta bela obra-prima.
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